Pode-se Dizer Que Liberalismo e Democracia São Sinônimos? Como a Liberdade Era Compreendida na Grécia Antiga? O Direito à Vida, à Liberdade, à Segurança e à Busca da Felicidade Nasce Com o Indivíduo? Por Que o Individualismo é Condição Básica Para o Liberalismo?
O fato de as mais sólidas democracias do mundo contemporâneo reivindicarem – simultaneamente – sua presença nas tradições liberais e democráticas, nos induz acreditar que ambas as tradições são idênticas.
Pode-se dizer que Liberalismo e Democracia seriam sinônimos e, eventuais conflitos teóricos e políticos entre ambas as doutrinas, seriam apenas equívocos históricos passageiros.
Embora a confluência entre liberais e democratas na atualidade seja um fato, não se pode perder de vista a especificidade de cada uma dessas tradições, pois Liberalismo e Democracia são correntes definidas e a relação entre ambas pode ser de afinidade, mas também pode ser de conflito.
Para alguns autores, o Liberalismo seria uma concepção de Estado – de um Estado limitado – e o seu principal traço seria a convicção de que o poder do Estado não pode ser exercido em todos os campos, mas que existem esferas sujeitas à deliberação individual, classicamente os âmbitos da economia e da vida privada.
Em contraste, a Democracia seria uma forma de governo, caracterizando-se desde a antiguidade pela atribuição de poder à maioria. Ou seja, é o governo de muitos, em oposição ao governo de poucos e ao de um só – conforme a clássica definição de Aristóteles.
Portanto, para o Liberalismo o essencial é limitar o poder e, para a Democracia, distribuir o poder. Dessa forma, trata-se de dois problemas diferentes, cuja solução simultânea é, às vezes, impossível.
Na verdade, essa distinção remonta à conhecida separação de Benjamin Constant entre a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos. Para ele, na polis (cidade-estado) da Grécia antiga, liberdade era compreendida como participação no processo de deliberação.
Era a possibilidade de comparecer à assembleia (ágora) que reunia os cidadãos e nela votar. Predominava então uma concepção positiva de liberdade.
Entre nós, modernos, pelo contrário, a liberdade é vista como a “segurança nas fruições privadas”; ou seja, a garantia de que os direitos do indivíduo não serão feridos pelo Estado.
Essa concepção de liberdade pode ser descrita como negativa. Mas qual a razão para o poder do Estado deter-se perante alguma esfera, algum limite? A resposta está na doutrina dos direitos humanos – pressuposto filosófico de grande parte das versões do Estado liberal.
Conforme essa doutrina, há um conjunto de direitos inatos aos seres humanos, direitos que a associação política não pode violentar ao sabor de sua conveniência.
O direito à vida, à liberdade, à segurança e à busca da felicidade – por exemplo – nasce com cada indivíduo. Todos podemos agir de forma a efetivá-los e podemos, legitimamente, resistir a qualquer tentativa de sua violação. Esses direitos são naturais e não dependem de outorga da coletividade ou do governo e, consequentemente, não podem ser por eles revogados.
Têm como fundamento uma concepção geral da natureza humana, que não precisa estar fundamentada em pesquisa empírica ou provas históricas. Podemos chegar a essa concepção com o uso exclusivo da razão.
Na verdade, essa ideia de um conjunto de direitos humanos já presentes em um hipotético Estado de natureza, anterior à constituição da sociedade, é justificação, no plano da ideologia, de um processo histórico determinado, de limitação do poder do rei. O marco inicial desse processo pode ser considerado o ano de 1215, quando o rei inglês JOÃO outorga” a “Magna Carta”, na qual determinadas “liberdades” dos nobres são garantidas contra o poder real.
No momento em que o soberano encontra limites à sua vontade, a relação com o súdito adquire o caráter de um pacto, cabendo ao rei o dever de proteção e ao súdito o de obediência.
No entanto, este último não é mais irrestrito, mas exclui certas esferas – definidas por consenso entre os súditos e entre esses e o soberano. Os marcos finais do processo se encontram nas declarações de direitos, afirmadas pela Revolução Norte-Americana(1776) e pela Revolução Francesa (1789).
Enquanto o processo histórico real mostra uma situação inicial de poder absoluto do soberano1 – poder que sofre uma erosão progressiva –, no plano das ideias o movimento é inverso.
Parte-se de um hipotético ponto zero, o estado de natureza, no qual os indivíduos são livres e não existe corpo político. Mediante um contrato social, esses indivíduos abrem mão de parte de sua autonomia em troca das vantagens da associação, principalmente a segurança.
Funda-se, então, a sociedade política, que não pode ser despótica porque deriva seu poder dos indivíduos que a formam. O pressuposto dos direitos naturais encontra-se, assim, estreitamente vinculado ao contratualismo, à ideia de contrato social como origem da sociedade.
O contratualismo postula que a sociedade não é um fato natural, mas artificial, fruto da vontade humana; que a sociedade não é um fim, ao qual os indivíduos devem se devotar, mas um meio para a satisfação de necessidades e interesses individuais.
Postula, enfim, a precedência, histórica e lógica, dos indivíduos sobre o coletivo: primeiro existem indivíduos singulares com suas necessidades, depois a sociedade. A ideia de direitos naturais do homem e a concepção contratualista de sociedade são inseparáveis de uma posição individualista. O individualismo, segundo alguns autores é a condição precípua do Liberalismo.
O Estado Limitado
Vimos que o problema que define o Liberalismo é a limitação do poder do Estado. E essa limitação se dá em dois aspectos diferentes:
- Nos poderes do Estado;
- Nas funções do Estado;
A limitação dos poderes do Estado dá lugar ao chamado “estado de direito”, oposto ao “estado absoluto”. Estado de direito implica a limitação dos poderes do Estado em pelo menos dois planos distintos.
No primeiro, dizemos que os poderes públicos são limitados quando se encontram regulados por normas gerais, normalmente inscritas numa Constituição, e só podem ser exercidos de acordo com essas normas.
Esse primeiro plano, no entanto, não é suficiente, uma vez que as normas constitucionais podem descuidar da defesa dos direitos individuais. Pode haver, como de fato houve, despotismo consagrado pelas leis.
O segundo plano se produz, portanto, quando as próprias normas incorporam o respeito aos direitos considerados fundamentais.
O Estado de direito implica também a vigência de mecanismos de controle do poder. Normalmente, esses mecanismos enquadram-se num dos seguintes tipos: controle do Executivo pelo Legislativo, controle do Legislativo por uma Corte de Justiça, autonomia local e autonomia do Judiciário frente aos demais poderes.
A limitação das funções do Estado, por sua vez, desenha uma segunda faceta da utopia liberal: o Estado mínimo, cujo antônimo é o Estado máximo (que considera legítimo agir em esferas reservadas pelos liberais para a iniciativa individual).
Em síntese, o projeto liberal demanda um Estado com as seguintes características:
- Exercício do poder regulado por normas gerais, normalmente reunidas em uma Constituição;
- Incorporação, nesse conjunto de normas, de garantias aos direitos considerados fundamentais;
- Presença de mecanismos efetivos de controle do poder;
- Redução da ação do Estado ao mínimo indispensável.
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